Boa tarde, Sras e Srs Vereadores, Sr. Presidente e toda a assistência
Participamos nesta assembleia na qualidade de porta-voz dos Cidadãos pela Ajuda, um grupo de cidadãos muito diverso que se uniu motivado pelo projeto da Unidade de Execução da Ajuda.
Sabemos que este processo implicou a venda de terrenos públicos, embora ainda hoje o ESTADO, Direção Geral do Tesouro e das Finanças, seja proprietário de uma quarta parte do terreno. No entanto, observamos uma falta de dinamismo da parte desta entidade e da CML para dar respostas às necessidades dos cidadãos.
Os cidadãos pela Ajuda têm reunido com as várias partes que participam deste processo, dinamizando algumas reuniões com moradores, decisores públicos e até com o atual promotor imobiliário. Temos um site que permite conhecer as questões que este grupo Cidadãos pela Ajuda considera importantes e faremos chegar um conjunto de sugestões às várias forças políticas com assento nesta Câmara.
Como no resto da cidade, a Ajuda tem sofrido um aumento exponencial do valor dos imóveis, quer para aluguer quer para compra: o que está em causa hoje é a exclusão progressiva dos moradores e filhos deste bairro da cidade.
No processo que nos ocupa, agradecemos a sensibilidade dos três grupos políticos (Livre, Cidadãos por Lisboa e PCP) que votaram contra a proposta de UEA apresentada e apelamos para que, desta vez, todas as forças políticas considerem a importância da proposta em causa.
Vou sistematizar um conjunto de questões que nos parece essencial respeitar, de modo a que as planeadas novas construções contribuam para a salvaguarda da identidade local, para a preservação do Palácio da Ajuda e a sua envolvente na imagem da cidade e para a criação de uma nova área urbana que seja uma mais-valia para o bairro onde se insere e respectiva comunidade.
Estas propostas não esgotam os anseios da população da Ajuda nem limitam as negociações que acompanhamos com empenho.
- Respeito pelas características morfotipológicas da zona onde se insere, de acordo com o art.º 42 do PDM.
Nomeadamente:
- Quarteirões pequenos incentivando a mobilidade pedonal e a vivência da rua.
- Edifícios pequenos e distintos Não apenas por ser tradicional, mas também porque cria uma cidade mais humana: à velocidade pedonal existem mais vida e as distâncias parecem mais curtas.
- Portas de acesso aos edifícios à cota da rua e edifícios que acompanham a cota do terreno.
- Diversidade de alturas e máximo de 4 pisos, sendo desejavelmente o último amansardado ou recuado em relação à fachada.
Fig. 1 – Estudo realizado por David Sim (2019), onde se demonstra a mesma ABC distribuída de diferentes formas. O autor propõe que se privilegiem os quarteirões pequenos pelo maior perímetro total, que potencia o contacto entre o edifício e a rua, maior número de cruzamentos, mais área de penthouse e uma escala mais humana.
Fig. 2 – Esquema de um quarteirão onde se realça a importância do que acontece ao nível do R/C e se demonstra a maior riqueza formal que advém de um quarteirão que reúne diferentes edifícios (David Sim, 2019).
- A inclusão de embasamentos amigáveis e não o previsto fechamento quase total para o estacionamento reveste-se de particular relevância no que toca à integração formal e social dos novos edifícios no bairro, pois garante ruas diversas e atractivas para quem caminha e pretextos para os contactos informais
Fig. 3 – Exemplo de embasamentos inactivos em virtude de garagens ao nível da rua em Benfica, Lisboa, proporcionando ruas completamente apagadas e sem escala humana – aquilo que se pretende evitar.
- A inclusão de varandas visualmente permeáveis, terraços, pátios fronteiros e arcadas, garantem a criação de fachadas diversas e vivas, ao mesmo tempo que proporcionam espaços exteriores aprazíveis para os novos fogos.
Fig. 4 – Esquema de uma relação rica e porosa entre espaços interiores e exteriores, num edifício de 5 pisos. Os espaços exteriores são umas mais valias para a rua mas também para os fogos e para quem neles irá habitar (David Sim, 2019).
2. Prioridade ao peão, com uma malha viária que privilegia a acessibilidade pedonal e a vida na rua. Nomeadamente:
- As ruas interiores ao empreendimento devem ser de coexistência onde o peão tem prioridade
- Passeios contínuos ao longo da Rua da Bica do Marquês
- Passadeiras de ligação à Tv. Vitorino de Freitas e à Rua Comandante Freitas da Silva.
- Continuidade física e visual dos percursos, com faixa em piso confortável.
- Espaços públicos vivos e interligados: os edifícios históricos a manter ou reconstruir devem ser enquadrados por espaços públicos verdes de apoio ao bairro, visíveis e interligados através de ruas reduzidas, pedonais ou de coexistência. Esta malha deve potenciar a ligação ao parque de enquadramento ao Palácio que será criado nas cotas superiores da área em estudo e que deverá incluir árvores e uma vegetação diversificada que providencie ensombramento, barreira sonora, locais de recreio, descanso, utilização livre. Pretende-se a criação de espaços de desafogo, que sejam uma mais valia para os residentes e que promovam o contacto informal entre moradores atuais e futuros – e não um jardim no topo da colina que não serve esta freguesia que não tem espaços verdes, de encontro ou de lazer!
- Dinamizar a vivência urbana do local e promover a fixação de residentes, conforme artº 81º do Regulamento do PDM que define os objectivos estratégicos da Unidade operativa de planeamento e gestão (UOPG9) e enunciado no seguinte extrato dos Termos de Referência da Unidade de Execução da Ajuda:
Nomeadamente:
- Inclusão de fogos para renda acessível no próprio projeto do promotor imobiliário apresentado a loteamento. Sugere-se que estes sejam criados ao nível do rés-do- chão, com porta directa para a rua. Pretende-se a atenuação dos contrastes sociais e que o novo empreendimento não agrave exponencialmente os problemas de habitação já existentes. Os proponentes são favoráveis a uma solução alternativa, por negociação com a CML que vise o acréscimo de Área Bruta Construída para permitir a construção e financiamento dos referidos fogos de renda acessível, desde que esta ocorra por via do aumento da implantação e não da altura dos edifícios. Vêem eventualmente outras alternativas possíveis (como uma redução do IVA de 23 para 6% se forem incluídos fogos de renda acessível) – mas é necessária vontade política para o alcançar!
Fig. 5 – Edifícios em Berlim com habitação ao nível do R/C com acesso directo a partir da rua e/ou pátio exterior.
- Integração de lojas para comércio local nos espaços públicos a criar e nos principais arruamentos (nomeadamente na Rua Marquês da Bica e na rua principal de acesso ao parque).
Finalmente, além das questões apontadas, acreditamos que o promotor privado pode ainda apresentar uma proposta de loteamento mais sustentável alterando a morfologia da Unidade de Construção 1 (o quarteirão central) – abrindo-o e, com isso, garantindo um jardim público na Rua Bica do Marquês, permitindo na mesma manter a área bruta de construção do promotor público da proposta original.
Acreditamos que o projecto, a Stone Capital e os futuros moradores têm muito a ganhar em acomodar as sugestões acima listadas e que se baseiam nos melhores exemplos europeus e em autores da maior relevância nas matérias de urbanismo e espaço público.
Por último, agradecer a atenção dos aqui presentes, acreditando que saberão mediar este processo de forma a garantir o bem comum e o equilíbrio entre interesses públicos e privados, numa fase crucial em que o governo assumiu o acesso à habitação como uma questão prioritária. É ainda uma oportunidade, para que em conjunto, os diversos intervenientes que integram este processo, assumam uma posição exemplar perante a resposta à destruição do tecido social e com fortes impactos financeiros para esta geração e para as futuras gerações.